1. |
Credo
02:38
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Vinha a chuva caindo
Pra largar as águas
Pra limpar as mágoas
Pra lavar as palmas
E bater as botas no chão molhado
Tinha dentes e sabres
Para abrir os peitos
Trocar os conceitos
Sacudir os leitos
E trocar sentido ao velho ditado
O seguro não morreu de velho
Morreu de medo
Partiu tão cedo
Credo, nunca houve alternativa
Sem ser dar o corpo à vida
Vinha a história chegando
Pra parar o vento
Pra pingar o tempo
Pra pedir alento
E soprar o pó desse chão passado
Tinha livros e lentes
Pra ampliar o dia
Subir a fasquia
Gritar utopia
E servir de abrigo ao novo ditado
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2. |
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De um amigo quer-se sempre as melhoras
Nas más e nas boas horas
De um estranho só quer mal
Quem não vê a amizade latente
E quem diz que só ama os seus, mente
A conversa é a mesa do jogo
Na paz e em pleno fogo
Cada peça movimenta
O lugar que carrega consigo
Pra no mútuo acordo encontrar abrigo
Portanto eu pergunto se sabem
Onde está quem eu não conheci
E qual é o paradeiro de quem eu perdi
Só se encontra quem não se procura
Só se acha quem não se conhece
A amizade é em si mesma verdade e alicerce
Só se encontra quem não se procura
Só se acha quem não se conhece
O encontro é a metade que a vida tece
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3. |
Vendedor de Fruta
04:21
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Olha o vendedor de fruta
Assobiando pela estrada
Na colorida labuta
Carregado vem, volta sem nada
Traz a quem espera de véspera
A sua áspera nêspera
Que anuncia a Primavera
Quando a cor é quem impera
Se termina a tangerina
Guarda o gosto na retina
Vai no tempo bom do ócio
Volta após o equinócio
Pra dar tom a quem se beija
Vem repleto de cereja
Pra que o amor não disperse
Ao casal oferece alperce
Aos solteiros do fandango
Só lhes serve um bom morango
Pra adoçar os desamores
Ananás lá dos Açores
Pra quem se queixa e desleixa
O vendedor traz ameixa
Se a criança sofre e chora
Estende a mão cheia de amoras
Oferece framboesa
A quem está preso à pobreza
Presenteia o mel do figo
Ao desalentado amigo
Pra sarar o sol do Verão
Tem fatia de melão
Tome o gosto à melancia
Que contém o meio-dia
Vem com pêssego-careca
Pra quem é santo mas peca
Pêra e maçã-reineta
Que alimenta o poeta
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4. |
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Ter pressa é não saber chegar.
Vou devagar.
Vou devagar porque o que é sorte,
E o que é morte,
Não as busco, não as evito,
Vêm-me buscar.
Por isso vou sob o infinito
Sem me apressar.
Se eu for depressa, nunca chego.
Devagar, vou
Com o meu ser e com sossego:
Existo, estou.
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5. |
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Senhor,
peço poderes sobre o sono,
esse sol em que me ponho
a sofrer meus ais ou menos,
sombra, quem sabe, dentro de um sonho.
Quero forças para o salto
do abismo onde me encontro
ao hiato onde me falto.
Por dentro de mim, a pedra,
e, aos pés da pedra,
essa sombra, pedra que se esfalfa.
Pedra, letra, estrela à solta,
sim, quero viver sem fé,
levar a vida que falta
sem nunca saber quem é.
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6. |
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Senhor,
peço poderes sobre o sono,
esse sol em que me ponho
a sofrer meus ais ou menos,
sombra, quem sabe, dentro de um sonho.
Quero forças para o salto
do abismo onde me encontro
ao hiato onde me falto.
Por dentro de mim, a pedra,
e, aos pés da pedra,
essa sombra, pedra que se esfalfa.
Pedra, letra, estrela à solta,
sim, quero viver sem fé,
levar a vida que falta
sem nunca saber quem é.
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7. |
Gabriela
02:30
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Junto a ela
O amor é uma tela
Com madeira alforriada
Pra fugir de barco à vela
E parar no meio do nada
Contemplar o horizonte
Regressar calmo e potável
Extraindo o sal da fonte
De um beijo inoxidável
Aguarela
Sem maré que nos aparte
Nem jangada que nos una
Se morrermos junto à praia
Transformemos dor em dunas
Cantaremos
Infinito enquanto dure
Ou eterno enquanto viva
Temporário para sempre
Gabriela
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8. |
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Não havia bagalhoça
prò refrigério
Tu encalhavas na fossa
do vitupério
Eras Dona Saragoça
e eu só Rogério
que cantava a velha bossa
qual escanção sério
Bochechavas e cuspias
palavreado
Contemplavas, depois rias
do teu amado
Convidava-te à suíte
do meu falido hotel
Dava-me a funiculite
e amante só no papel
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9. |
Dá ao Dente
04:24
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Dá ao dente, põe-te a milhas
Firmemente aperta as quilhas
Dor, sofrimento e lamento
Fazem de ti um jumento
Dá ao dente, alimenta o que te enriquece a mente, historietas de novela põem-te a tola demente. Se a bitola é falsidade pr’amansares o ego carente, põe na cartola a tua verdade, pois tudo falas, nada sentes. Mas se o amor faz parte da tua passada, vais trinar e vais voar com o resto da passarada, não há pedaço de céu que escape à tua mirada, olhos sem ramelas vêem tudo onde não há nada.
Põe-te a milhas dessa raiva que por dentro te consome, abandona-a num baldio e deixa-a morrer de fome, de frio, de sede e doença grave, rara e sem nome, que as entranhas putrefactas, vis e fedorentas come. Reanima o morto com um tiro de perdão, mostra ao vivo como bate no esterno o coração, que a interna luta é um caminho prà resolução, mas que nem todas as conclusões vêm da razão.
Firmemente aperta as quilhas prò balanço não falhar, finca os olhos nessas ilhas onde o teu ser vai medrar, com o sol e com a chuva, com o vento e com o mar, e quando a pele estiver curtida há conquilhas para o jantar. É conta certa que o previsto não vai ser e que a expectativa alta inverte o acontecer. No salgado da viagem inventa o doce prazer. Se te encontrares com o abismo, diz que é cedo pra morrer.
Dor, sofrimento e lamento são três faces da moeda: um retrai, o outro rasga e o último embebeda. O primeiro não se evita, o segundo a boca azeda, e o terceiro, pra piorar a situação, é tiro e queda. Mas tudo muda quando a mona se organiza e a testa, em vez de fender enrugada, fica lisa. Na inspiração profunda, a labareda vira cinza e não há questão que não sucumba à mais leve brisa.
Fazem de ti um jumento sempre que desesperas e tropeças nas vivências mais cruéis e mais severas, a tortura, a prisão, os vírus ou bactérias, ou o que te faça acreditar que são falsas tuas quimeras. Não quero cair na falácia e mentir, afirmando: «Para ser feliz basta decidir.» Cada um é o caso que o acaso permitir, e se a fome aperta vais-me ouvir ao longe a ganir.
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10. |
Bring me a Lighter
03:51
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Bring me a lighter and make me the fighter of cancer
You want to ask all the questions I don’t have the answer
Scratching with fire my throat to extinguish my health
Your heart is so obviously sore that I’m starting to melt
Floating in a cloud of smoke
Calmly breathe or you can choke
Dreaming of a flying dove
I threw away a broken love
Sing me with glitter a song that is bitter and bright
Don’t let the tears blotch your face while I’m coming to light
Sipping a wine while I dine on divine melody
I found out that grapes and free wings are just my cup of tea
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11. |
Acorde
04:34
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Eu sei que nem tudo na vida é um acorde maior
Mas quando se acorda prà lida a vida fica melhor
Vai cheia a carroça com a carga do dono
A ideia que dorme com a moça sem sono
Cai dor na ladeira e grita o Outono
Pra ser bom sujeito não basta alegria
Vertendo no leito a melancolia
Mas rir é um jeito de dar luz ao dia
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Diogo Picão Lisbon, Portugal
Diogo Picão faz canções para se libertar das insónias e sonhar com mundos melhores.
Cresceu músico, estudou saxofone, virou
cantautor e espera envelhecer como poeta e boémio.
Escreve sobre o quotidiano, as relações sociais, o encantamento da vida, a natureza, as (des)ilusões amorosas e um punhado de outras coisas.
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